segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O anjo mais velho

Meu bom amigo,

Por mais que às vezes tenho a sensação de que alguns momentos estão a um piscar de olhos de distância, o tempo passou mais rápido do que imaginávamos. Já são dois anos desde que a falta de você se fez eterna. Tantas coisas giraram o mundo sem os seus comentários tão sagazes! Muito mudou em nós, muito retrocedeu e muito continua o mesmo, como você deixou.

É duro começar a enxergar todos os dias que não somos mais aqueles quase crianças de quando nos conhecemos. A idade tem mudado os nossos corpos, cabeças e realidades. Nossos amigos se lamentam do preço do rum e discutem empregos e vidas pós academicas. Os estudantes já são profissionais e os médicos da turma estão praticamente doutores prontos. Deixamos de ser tão filhos, para sermos homens. E pela primeira vez, como tanto esperávamos, um de nós já será pai.

Casais antigos se mantiveram, desfizeram e novos surgiram. Amigos se tornaram maridos, viajantes, amantes... Pessoas novas foram agregadas, como sempre questionadas e em sua maioria aceitas. Não perdemos o senso crítico bem humorado, nem tampouco o jeito único de acolher quem nos aceita tão defeituosos e pretensos perfeitos.

Trabalhamos os defeitos e em muitos casos conseguimos deixa-los piores! Trabalhamos a importância que temos e com isso a paciência acabou por se tornar suficiente aos defeitos ampliados. Ainda tentamos nos impressionar, ficamos de bico, sentimos saudades, discutimos besteiras, ouvimos de tudo, conhecemos o que é novo, reclamamos de coisas absurdas, conversamos papos sem sentido e ainda sorrimos.

Eu ainda sumo quando me sinto perdida, mas não tenho mais você me chamando de “Wally”. Ainda tenho medos bobos e superei sustos antigos. Eu ainda me sinto estranha e ao mesmo tempo a vontade perto de algumas pessoas. Mas eu agora me pego sorrindo do nada, enquanto pisco os olhos repetidas vezes, tentando guardar bem dentro da memória alguns momentos.

Por muitas vezes nós nos afastamos, nos julgamos, e acreditamos que, com cada um em seu caminho, seriamos todos lembranças. Mas no fundo passamos os dois últimos anos sentindo falta do mesmo lugar imaginário onde costumávamos ser família. E assim, ainda alugamos a tua família como nossa, ainda bebemos como jovens que acreditam que uma noite será a última. Agora, com a consciência de que qualquer uma pode realmente ser.

Por isso a gente se olha quase se absorvendo, lembra de tiques e manias bestas e caçoamos de nós mesmos. A gente reconta as melhores histórias, as melhores fotos, os grandes dias. Seja para que um alimente a memória do outro, e nunca deixe nenhum pedaço partir, ou para reservar repertórios ao próximo Clube que se formará.

A maioria de nós ainda não sabe pra onde está indo, o que vai ser quando realmente crescer. Grande parte não vai saber ou nem quer. Mas dá pra sentir de longe que cada um sabe de onde veio, o caminho que percorreu. E em comum, mais do que algumas doses regadas a coca ou cervejas, temos vestígios de uma vida que se foi. E sabemos que juntos, esses vestígios e sorrisos chegam mais perto do que é, foi e será real.

Já se aprendeu que a vida segue, que é tão curta, que deve ser grande. Mas há de se respeitar a saudade , sempre, independente de quando ela vier. Porque nos melhores ou piores momentos ela nos lembra a importância de, quando nos perguntarem se estamos bem, afirmarmos que sempre estaremos juntos.

Uma carta a Abílio que se foi. Pelos amigos de sempre e por Sofia, que chega.

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"O anjo mais velho" é o título de uma canção de "O teatro mágico", cujo refrão diz "Só enquanto eu respirar vou me lembrar de você".

As atualizações ainda andam escassas, o que vou melhorando, e eu acho que, em definitivo, não sei mesmo fazer um layout. Deixo tudo assim...

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quando há chuva

Deslize pelo meu corpo o cansaço, retire de meus ombros a dor
Que enxarquem todos cachos do cabelo, borre a maquiagem, dissolva-se às lágrimas
Escorre entre meus dedos, água
E deságue a correr em valas, pelo chão de encontro aos pés e sapatos
Lava sentimentos sem sentido, irrigue sementes que nascem em mim
Desconcerte com com trovões e relampejos os pensamentos
Provoque meus desejos. Seja eu.

Chova-me
Tempestade-me
Temporal

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A dança

O primeiro passo soou desconexo. Enquanto não se permite sentir o ritmo, não se acredita saber dançar. Qualquer um sabe dançar, de acordo com o ritmo a que se entrega. Não digo da dança bem coreografada. Apesar de amar a dança com este viés, aprendi que dançar ultrapassa o limite dos passos e se resume a sensações. Toda dança é por fim um simples encontro. E um bom encontro, como uma boa dança, tem passos casados e ritmos, que com um fechar de olhos, transportam.

A segurança em acreditar saber dançar te possibilita, ao sentir a aproximação do som, o risco do primeiro passo. Não que uma dança solo não te satisfaça. Mas certos ritmos te convidam ao par. Por mais segura de sua dança, uma pessoa comum sempre repensa o primeiro passo. Dá-lo, te classifica extraordinário diante de seu orgulho próprio. Primeiro os olhos convidam, as palavras chamam e por fim a aproximação dos corpos, à mercê do som, atrai.

As notas iniciais da música já se passaram e os acordes soam como um prefácio bem escrito, atraindo um leitor sedento às próximas páginas. É quando finalmente os músicos deixam de lado os atrativos e fazem com que toda a pista reconheça a canção. Conhecendo a música, os passos desconexos ganham a mínima firmeza de acreditar que estão em solo conhecido. Mas e se de repente a velha canção ganhou novos arranjos?

Os corpos já não querem se perder do ritmo e se enlaçam a cada virada. Braços, mãos, pernas e troncos se unem como que desesperados por uma sincronia que acontece naturalmente. E se percebe que braços, mãos, pernas e troncos se tornaram apenas artifícios para manter corpos unidos, testando os limites da sincronia tão natural. Antes de se perceber, eis a dança.

Do suave balé, ao agressivo tango, a dança te consome. Te desgasta, exaure e, principalmente, te tira o fôlego. O suor, os músculos tensionados, o coração a mil. Você sente a dança das formas mais violentas e surpreendentes. Mesmo assim continua a dançar. E a canção parece que te ajuda. Ela deixa notas que fazem pender a cabeça no colo que te acompanha, levando à fragilidade desta entrega.

Nas grandes danças, os últimos acordes são como o fim de um chocolate que derreteu rápido demais, deixando na língua um gosto de gula, de mais. Entretanto, na dança, o jogo de sensações de deixa além de gostos. São tatos, visões, cheiros e sons quase inaudíveis que muitas vezes te instigam a continuar dançando, e dançando, e dançando.

É, pois então, a grande verdade das boas danças de salão (tão aparentemente cercadas e tão imensamente livres). Elas pertencem a dois. Por mais que o resto das pessoas insistam em avaliações, correções e medidas, todo o encanto dos movimentos são legíveis apenas pelos que se permitiram dançar. Só a eles interessam os passos, os pisões, a sincronia, o suor e os sentidos.

Assim, ao que o som de esvai e os olhos se abrem, você percebe que tudo ao redor continua o mesmo e ao mesmo tempo tudo ao redor de você mudou. Um bom parceiro te enlaça a cintura novamente e continua no ritmo da nova canção que se iniciou ali. E todas as canções já te pertencem, já que você sabe dançar. Os olhos se fecham novamente, para que num suave murmúrio você peça: “Me avise apenas quando a nossa canção acabar”, sem saber que algumas canções são quase eternas, como o saber dançar.

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Eu não voltaria aqui antes de um novo, belo e arrojado layout. Mas meu talento pra coisa é nulo.

Do antigo eu simplesmente cansei, não quero mais mesmo! E hoje senti falta de estar aqui, de deixar aqui a minhas idéias soltas e embriagadas. Então fica assim até eu resolver o problema.

Obrigado aos novos visitantes e lhes devo sérias visitas. Por agora, desculpem, mesmo!


sábado, 29 de agosto de 2009

Uma outra abordagem da solidão

Eu tenho tentado. Mas talvez meu erro, por fim, tenha sido a mania de me fazer feliz agradando. A conivência, comum às tentativas de realizar o outro, também é um pecado. Um pecado particular, onde a entrega tira um pouco de nós e deixa um vazio solitário que espera pelo o que o outro irá devolver. Digo por mim, ser o pecado egoísta mais altruísta que conheci.
Mas para seres que nascem do pecado, amar o outro deveria perdoar qualquer pecado. O próprio pecado deveria se entregar à conivência dos momentos em que nos fazemos, por amor, inertes. Definir amor, assim, é o mesmo que tentar que uma criança enteda equações ou fazer uma mãe explicar o sentimento durante o parto. Complexo demais, subjetivo demais.
Talvez para quem leia, a conivência, como forma de fé ou esperança, não seja mesmo face de um sentimento esquizofrênico. Porém, o princípio é de uma validade completamente humana: ao enteder que o seu amor é diferente do meu, respeito as multi personalidades que um amor entre duas pessoas pode ter. Eu entenderia o meu amor, já você, leitor, poderia enxergá-lo com um mero conto de fadas em tempos modernos.
O fato de nos idealizarmos com alguém faz com que a cada novo amor nos entreguemos à possibilidade de que há a possibilidade de sermos inteiramente felizes. E sim, falei me referindo a cada um dos amores que surgirão pela vida. Afinal, não há por que eu acreditar que só se ama uma vez se já concordei que o amor são vários. E quero mesmo acreditar nisso.
Não vou mais teorizar sobre o que defino ou do que se explique sobre. Vim dizer apenas das tentativas, das conivências e das solidões de todos os dias (meus e quem sabe dos seus?). Se não fosse minha mania exagerada de ser prolixa nos sentimentos, este texto se encerraria na segunda frase. Mas alguém já disse uma vez que perder-se, também é caminho. O afastamento talvez aproxime e desenrole uma solidão de quem se fez, por um amor, sozinho.
E olhe bem, eu digo vivas aos nossos pequenos contos de fada! São válidos e mais verossímeis do que muitos pensam. Em cada amor, daqueles que não se acabam quando a história termina, há um pouco da magia das histórias dos livros. Agora, apenas sinto que no fim de cada conto lido olhamos ao redor à espera da realidade. Ou de um lugar, que no meio de todos os outros, não sintamos apenas a falta.

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Último texto no blog assim.
Um novo layout, uma nova cara, para uma nova vida.
Para mim é tempo de recomeçar, porque qualquer hora pode ser um recomeço.
Times like these...

domingo, 9 de agosto de 2009

Porque o tempo é pó

Ele sabia de praticamente tudo! Mas praticamente tudo, sinaliza que faltava algo. Não sabia consertar o velho toca discos, não cantava bem e ninguém lhe ensinou a ser pai.
Não era simples como alguém que foge de aulas, reprova ou simplesmente não se interessa pelo assunto. Não teve instruções para tal, era isso. Se tentou, não se sabe, mas que não aprendeu, era fato. E não lhe venham com a conversa mole de que “certas coisas se aprende com a vida”, porque para ele, então, a vida havia sido anti-didática.
A cada ano se fechava mais, se tornava mais um não pai. E os filhos, que souberam nascer filhos, acabavam inevitavelmente se tornando menos filhos. Só a falta se tornava mais. Talvez a falta do sentimento imaginário, do lugar inexistente que construía magicamente as relações e que, de alguma forma, não passara por ali.
Mas ele era quem sabia de praticamente tudo. E praticamente tudo ainda significa muito. As meninas cresceram com os olhos de admiração. A admiração ao homem de quem herdaram os mínimos e máximos. Dos traços do nariz fino, dos lábios e o tom da pele. Do mau humor repentino e até mesmo a argumentação.
De pequenas, nos momentos sozinhas, comentavam entre si e disputavam quem se parecia mais. Adultas, evitavam reconhecer nelas próprias o que as irritara durante o crescimento. Mas riam quando se viam com o sorriso torto, algum trejeito peculiar ou pós crises ranzinzas.
E para quem nisso crê, a admiração é também essencial ao amor. E o amor nasce pelo alguém a quem se admira por lhe entregar a vida, lhe apresentar o lar. Ou até mais simplesmente pela tentativa de consertar o toca discos e pelos, raros, cantos desafinados.
O amor se revela com o tempo, com o valor que se dá às pequenas coisas. Mesmo um amor diamante, nascido do que se aparenta bruto.
No brilho de coisas simples do dia a dia e ao enxergar nos olhos do homem que sabe praticamente tudo, a consciência do que não se sabe. Na certeza, talvez um desejo, de que todos os erros cometidos buscam o melhor (mesmo que dos piores modos). E nos momentos mais doloridos, o amor está bem junto do olhar perdido de alguém que não saberia te perder e que não saberia dizer isso, simplesmente porque não lhe foi ensinado.
E assim o amor passa por ciclos, embalados pela emoção de uma música favorita tocada no rádio ou com a letra da canção que te mostra que homens podem ser heróis e bandidos. E que mesmo sem saber fazer isso, são muito pais.

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Por amor e pelo amor, que tornam o tempo pó: passado, presente e futuro.
Que fará com que o tempo geres lindos avôs.

9 de agosto de 2009

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Mas e porém.

Pelo começo da tarde batizei a luz. Incidente reveladora. Assim a vejo.
Revelando, a luz demonstra os tijolos que ergueram a casa. E os tijolos revelam a estrutura crua em que a vida habita.
Mas poetizar não faz teto, não cria nos tetos os lares.
Tetos são feitos de tijolo, cimento, madeira e suor.

E a vida?

Por novos anos

Hoje sorriram, como não me lembro de terem se permitido. Esta noite olharam e, sem nenhuma palavra, se chamaram “Família”. Por anos, por vidas, ressentiram, remoeram. Mas hoje, por toda uma hora, apagaram o passado, o presente, o futuro. E ah! É tão raro nestes dias ser família...

Algumas taças baratas, um espumante esquecido na geladeira. “Mas gente, eu tomei um remédio para dor!”- todos riam. Agitados. Arrumar o que beber, o que comer. O estourar da bebida fez fechar os olhos. A caçula não estava.

Exigir ali, a felicidade completa, seria exigir demais da felicidade.

Risadas, besteiras, silêncios e olhares. “Mas brindamos a quê?”. “Ah, Feliz Ano Novo! Feliz 2009”. E brindou-se.

É agosto, todos estão cientes. Mas pelo menos até o fim do sono, daquela noite dormida com o leve torpor das bolhas de champanhe estourando no nariz, todos ali só desejavam a certeza de que um novo ano se inicia a qualquer momento. Ao menos até amanhã de manhã.


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Não se iluda. Este não é um blog autobiográfico. Em caso de dúvidas, leia o prólogo, um pouco abaixo à direita. Minha vida, sua vida, a vida da tv a cores, me dão apenas temas. As dores eu invento sozinha.

E pra quem sente falta de humor, "Donas da Casa" is comming soon...

terça-feira, 21 de julho de 2009

Reticências

"O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
O que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
O que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita"
O que será (À flor da pele) - Chico Buarque

Quantos amores você teve em que, após um ou dois anos juntos, o coração acelerava, as mãos suavam, os olhos brilhavam e corpo todo sorria à mínima aproximação, ao mínimo pensamento?
Nenhum – ele disse após um silêncio esforçado. Tentava, como sempre há de ser entre nós, quebrar de alguma forma a idéia de que isso é real.
De pronto eu disse que esta foi a mesma resposta que me dei.
Não estávamos juntos, entretanto nunca estivemos separados.
Mas, lá estávamos nós, três anos depois do primeiro contato ainda ruborecidos pelos sentimentos e sentindo as mesmas borboletas no estômago.
Uma frase é sempre recorrente. Não sei o que há entre nós.
Parece um imã. Com seus dois lados que se buscam. Ou se repelem, ou se atraem. Uma música que eu gosto diz, "os opostos se distraem, os dispostos se atraem".
Mesmo quando nos falta disposição e o corpo parece que não vai mais agüentar, o destino nos une de novo.
Já são anos. Anos.
E eu esperei, como fui esperando todos esses anos.
E não deixei de amar. Nem por um segundo.
Eu nunca fui. Não por um pedido de “espere”. Não porque confiei que viria.
Não fui porque não queria tornar outro mundo confuso, quebrado.
Já fizemos isto com as nossas vidas uma vez. Já nos quebramos e colamos cada pedacinho...
E talvez nosso erro foi, por engano ou distração, colar um no outro os pedaços que são tão iguais.
E agora?
Agora não me peça desculpas.
Sabe que odeio pedidos de desculpa vãos.
Não sou triste. Também não sou feliz. Sou viva, vida. E dela me componho altos e baixos.
Me apaixonei, e as paixões bem criadas seguem seu curso de se tornar amor.
Amei, amo, e entendo meus amores. O amor fraterno, o amor de amigo, o amor família.
O nosso amor ainda são pedaços. Quebrados e colados, perdidos e achados.
O nosso amor ainda é o que eu também não entendo.
Hoje, li muito Clarice Lispector.
Uma frase me fez pensar muito e agora entendo.
"Perder-se, também é caminho"
Já tentei dar muitos “Adeus”. Não o faço agora. Sinto, nos dias mais cinzas, dores e delícias. Mas sei.
Seja qual for o caminho, ele existe.

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No fundo minha cabeça maluca me confunde. Mas sei que às vezes músicas são apenas músicas, e textos são apenas textos.

Pela wikipédia, "Reticências "indicam um pensamento ou ideia que ficou por terminar e que transmite, por parte de quem exprime esse conteúdo, reticência, omissão de algo que podia ser escrito, mas que não o é"
Reticências, como um "assunto" de um email qualquer.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Just Like a Blues

Veja os vazios.
Lembre de quem não está.
Mude destinos,
Vá de trem ou navio
Mas se mova daqui

Tente, inove, invente
Nade contra a corrente
Ame alguém ou a si

Um sentimento escuro
Ou um canto sombrio
Um coração que bate
Sempre mais por um fio
E cada parte sua que
Ficou pelo mundo, me diz

Que todo dia é de sentir
Todo dia é dia
E todo dia é dia de sentir

Sem fugir, sem temer
Sem matar ou morrer
Só sentir
Que todo dia é de sentir

Um sentimento escuro
Ou um canto sombrio
Um coração que bate
Sempre mais por um fio
E cada parte sua que
Ficou pelo mundo, me diz

Que todo dia é de sentir
Todo dia é dia
E todo dia é dia de sentir

Todo dia é de sentir.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

E o que eu não sei mais

Leia nos meus lábios.
Decifra-me ou te devoro. E por fim eu sempre hei de devorar-te. Não por ser eu uma incógnita, mas por ser parte, de mim e de ti, o indecifrar. Não sei sempre querer o certo, mas sei viver o que de bom me bate à porta.

Leia nos meus olhos.
Muitas outras coisas se escondem entre o céu e a terra, minha vida e a tua. E não há vã filosofia que suponha, e nem astros que expliquem o caminho que se sucedeu. O que se aprende nesta vida é somente a viver.

Leia nas minhas mãos.
A cigana me contou o caminho a seguir. Mas o destino é também uma esfinge e, eu, não fujo! Me faço aos poucos no que me sinto muito e me fingindo ao avesso aprendo a encarar. As melhores surpresas vem sempre sem esperar.

Leia no meu corpo.
Me pinto em cores, me faço mulher. Te pinto desejo, te faço amor. Invento besteiras, palavras e maneiras de que toda essa história nos faça, por fim, apenas sorrir.
E como no fim de um conjunto de frases feitas
Leia na minha camisa
Baby, baby, eu sei que é assim.

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"Você
Precisa saber da piscina
Da margarina
Da Carolina
Da gasolina
Você
Precisa saber de mim
Baby, baby
Eu sei que é assim
Baby, baby
Eu sei que é assim
Você
Precisa tomar um sorvete
Na lanchonete
Andar com gente
Me ver de perto
Ouvir aquela canção do Roberto
Baby, baby
Há quanto tempo
Baby, baby
Há quanto tempo
Você
Precisa aprender inglês
Precisa aprender o que eu sei
E o que eu não sei mais
E o que eu não sei mais
Não sei
Comigo vai tudo azul
Contigo vai tudo em paz
Vivemos na melhor cidade
Da América do Sul
Da América do Sul
Você precisa
Você precisa
Não sei
Leia na minha camisa
Baby, babyI love you"
(Caetano Veloso - Baby)

domingo, 28 de junho de 2009

A long ride inside myself

Nunca fui do tipo de garota que espera por flores e uma caixa de bombom depois de um "eu te amo" apaixonado.
Nunca fui daquelas que acreditava que a primeira vez seria na lua-de-mel.
Nunca quis ser paquita.
Nunca tive uma barbie.
Nunca fui pedida em namoro, todos os meu namoros simplesmente aconteceram.
Nunca tive unha grande.
Nunca comprei um corretivo e nem uma calça jeans que tenha custado mais de 70 paus.
Nunca fiz dieta.
Cutuco o nariz, nunca faço as unhas (roo elas antes)
Solto pum, tenho nojo de arroto, quaase sempre vomito quando encho a cara.(Nunca esperei uma bebedeira impune)
Não acredito em religião, mas rezo todas as noites.
Gosto de futebol, odeio caminhada. (Acho inútil e sem sentido, você ficar andando, andando, andando sem um destino)

Sempre me orgulhei de ser prática.
Mas ao mesmo tempo...

Adoro cozinhar
Morro de preguiça de acordar cedo
Detesto sair de casa sem rímel
Adoro comprar roupa e boa comida
Gosto de homens que tomem decisões
Gosto que me pressionem
Sou workaholic
Adoro a cereja em cima do sorvete
Espero ligações no dia seguinte
Choro vendo filme, ou lendo livros
Durmo com um ursinho de pelúcia até hoje
Sou tarada
Não sei ficar sozinha
Ouço músicas bregas escondido
Meu livro favorito é "O Pequeno Príncipe"
Queria saber andar de salto alto, direito!
Acredito que casamento é pra vida inteira
E consequentemente acredito em amor
Me arrumo pra agradar um cara
Me entrego de cabeça em tudo

Sempre tive meu lado Amélia.
As vezes eu mesma não consigo me entender, do mesmo jeito que não consigo entender a vida ao meu redor. Tem dias, como hoje, que faço coisas, digo coisas, sinto coisas que não têm sentido. Mas na verdade eu não acho que a vida necessariamente tenha que ter sentido. Queria poder não magoar ninguém, mas quero muito menos me magoar.
Detesto o fato de que mais uma vez to querendo entrar de cabeça em algo que obviamente vai me ferir. E com a ferida aberta eu vou recomeçar um ciclo interminavél que contém alta dose de açucar, músicas melosas, noites mal dormidas, conversas com boas amigas, dores no coração, bebedeiras, choros compulsivos e gargalhadas histéricas, eu agindo como idiota e um final feliz.
Sim, é isso mesmo que você ouviu. Um final Feliz! E isso meu caro, não significa de modo algum que eu vou ficar com o cara no final, ou qeu vou ter um mega romance. Isso simplesmente significa que como ninguém até hoje morreu com "mal de coração partido", eu não serei a primeira.
E, ora bolas, tem coisa melhor no mundo do que o drama e a glória de altas doses de açucar, músicas melosas, noites mal dormidas, conversas com boas amigas, dores no coração, bebedeiras, choros compulsivos e gargalhadas histéricas, eu agindo como idiota e um final feliz?
Eu tenho que ser masoquista e dizer: EU AMO A DOR. Porque ela me mostra que eu estou viva, com meu lado Amélia e meu gênio prático, incompreensivel e cheia de incompreensão!
Uma hora aparece um cara que me faça ter certeza de que casamento é pra sempre e que flores e bombons são realmente ridículos.
Até lá, eu vou colhendo os dias e viajando cada vez mais longe dentro de mim.
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Postado no VOX em 2007...
Tempo passa ein?
Relembrado hoje, como "declaração de humanidade"...

terça-feira, 23 de junho de 2009

Le temps detruit tout

Porque alguns dias nos deixamos levar pelas nostalgias das besteiras que fizemos ( e fizeram) ontem?
A resposta é mais simples do que se supõe: Porque queremos, precisamos e sentimos.
Sentimos muito. De "sinto muito" e de sentir muito.
Eu sinto pelas coisas boas, e sinto pelas más.
Tem certas situações na vida que você repassa cada segundo, e mesmo assim não encontra respostas.
Não culpo o mundo, tenho meus próprios erros a assumir. Mas não me auto flagelo, em nem um momento o fiz.
Sofro. Mas é pelos caminhos que andaram a história. Sorrio também pelo caminho que história andou.

Viver é contraditório e isso já é um clichê.
O tempo não pára, e a frase já foi musicada.
Passou!
Passou.
Passou?
Passou...

A sinalização que eu prefiro? Não sei.
Estranho como suspiros e taquicardias sobrevivem ao "passar".
Eu ainda sofro, eu ainda não entendo.
E eu ainda me sinto acuada o suficiente para achar que no meio de tudo há algo que não consigo entender, que não me foi dito.

Eu simplesmente me resigno a saber que, o tempo destrói tudo.
Já repassei, já tentei entender meus erros, já quis me perdoar, já sonhei ser perdoada.
Pelo que fiz. Ponto, assim, legível!
Talvez meu orgulho ainda seja um pouco rancoroso.
Talvez meu coração ainda tenha amor demais.
Talvez esse post não passe de um escape pra dizer o que sempre prefiro calar.
Talvez eu esteja apenas tentando matar esperanças.
Talvez, Talvez, Talvez.

Mas nenhum dos "talvezes" muda o fato que, de uma maneira inexplicável ao sentimento humano, o tempo destrói tudo.
E o tempo destruiu quem eu fui, e (mais um) talvez, ainda não tenha me permitido ser alguém novo.
E assim talvez, ele sempre o talvez, eu tenho estado tempo. Destruindo a mim e a tudo.
Ou apenas alguns me enxergaram tempo.
E o tempo não mata o talvez.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

De fluir e seguir

O ver novo.
O viver novo.
Talvez eu tenha nascido para o chegar, e não para o caminho.
O rio, de perto, parece tão maior do que da janela do carro, do ônibus, do trem...
Uma artéria. Pelos sons, pela pulsação, pela vida.
Enquanto da janela lateral o rio passa - o rio é, dentro se discute o poder e não poder com a natureza.
Será que o rio questiona o seu ser?
Os desvios, as construções, as pedras, as barragens, as ilhas.
Se a vida flui como um rio, eu nunca fui tão ilha.
A vida corta ao meu redor e eu continuo seca. Nas enchentes me inundo, nas secas sou mais e mais ilha.
Quem se importa com os rios, com as vidas e com as ilhas?
Eu, questiono o meu ser ilha.
As secas preocupam, como as enchentes e as barragens. E mesmo assim o rio corre.

A dúvida que consome é se, como os rios, a vida tem seu curso determinado. E se, como os rios, os desvios são possíveis de se erguer.
Para o São Francisco se desejam transpor. E ao meu lado, Doce, continua o rio.
E, ilha eu, às questões continuo.

*Por um dia em Valadares que não lembrou, mas fez lembrar.
E pensar, e pulsar
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"Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não pára...
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora, vou na valsa
A vida é tão rara...
Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo, e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...
Será que é tempo que lhe falta prá perceber?
Será que temos esse tempo prá perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára
A vida não pára não..."

(Paciência - Lenine)


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Existem certas situações na vida que você repassa cada segundo, e mesmo assim não encontra respostas.
Desista.
Escolha outra coisa, boa, pra pensar.
(O conselho pode, talvez, funcionar com você caro amigo leitor)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O que importa

"Aqui é pequeno mas dá pra nós dois
e se for preciso a gente aumenta depois
Tem um violão que é pras noites de lua
Tem uma varanda que é minha e que é sua

Vem morar comigo meiga senhorita
Doce meiga senhorita
Vem morar comigo"¹


É, parece um evento mesmo.
Uma semana antes eu já começo preparativos. Aviso amigos, combino saídas.
Hoje, um dia antes, eu acordo cedo e arrumo os quartos (coisa difícil para alguém que, como eu, vive muito bem em uma confusão organizada).
A faxineira arruma a casa e à noite é hora de fazer compras.
"Mãe, coloca muito legume e verdura na lista porque o namorado é vegetariano"

Provavelmente essa noite eu nem durmo. A ansiedade acaba quando o telefone toca, e uma chamada a cobrar avisa que ela, lá pelas 4 da manhã, nos espera na rodoviária.

Toda vez que minha irmã vem pra casa é assim.
Sei que estive com ela há menos de um mês. Mas toda vez que estamos aqui é diferente.
Volta a ser o velho igual. Nosso mundinho...

Quando eu estiver morando com ela de novo, o que deve acontecer a partir de setembro, não quero que isso acabe. As duas vão sentir a mesma taquicardia quando o ônibus chegar ao Vale do Aço.
E sei, que cada dia que eu sair pro trabalho, ou ela pra faculdade, na volta sempre vai haver a palpitação de se reencontrar.

Um dia, seguindo o que, para mim, é um curso natural, serei mãe.
Mas minhas excitações fervilham, pois sei que depois darei ao meu filho a benção e a maravilha de ser irmão.
________________________________________________________
¹Meiga senhorita - Zé Geraldo

A música é uma história destas ansiedades, cá pra nós!
=)

domingo, 7 de junho de 2009

De pelucia

Eu preciso de você. Dizia assim a letra da música melancólica que tocava. Mas, não. Não mais. Já não era necessário ninguém. Não existiria pessoa alguma no mundo capaz de tirá-la daquele universo entorpecedor na qual havia entrado. E entrado sem querer.

Não era sua culpa, afinal nem ela mesma era capaz de entender aquilo que havia se tornado. Não era seu destino. Ninguém havia planejado. Podia ser o fundo do poço, fim da linha, no way. Nem isso era mais capaz de saber. Até a pouco só era capaz de sentir. Raciocínio nulo. Agora, até os mais simplórios sentimentos a haviam abandonado. Só tinha aquele vazio e aquela vontade cretina de olhar para o teto durante todo o dia.

É, era isso mesmo. Viajar. Pensar no nada. Mergulhar no coisa nenhuma enquanto o teto a perseguia misteriosamente. O teto, o branco sujo do teto do quarto, a luminária antiga com alguns fios soltos. Junto com o teto, a parede que a ele se unia. Pôsteres de bandas que ela nunca mais ouviu, fotos de amigos que ela nem sabia se estavam vivos. Um relógio com desenho de ursinho que não tinha pilhas. Um crucifixo de gesso começando a descascar.

Os pôsteres grandes disfarçavam os descascado da parede que clamava por reforma. O relógio, mesmo empoeirado tinha seu ar de graça. As teias de aranha nos cantos eram com absoluta certeza o único sinal da existência de vida naquele ambiente. Os porta retratos levavam o corpo inerte que se estendia na cama a um mundo onde ela ainda sabia definir o que era: ao menos nada significava alguma coisa.

Coisa alguma seria mudada, nada merecia o gigantesco esforço que representava pensar em o que fazer com eles. Viu o crucifixo novamente.

Foi capaz de pensar em algo.

Não iria por nada sair daquela cama.

Não seria capaz.

Com um tiro certeiro derrubou o crucifixo com um urso de pelúcia cor de rosa. O gesso se partiu em mil pedaços e a mãe que havia se assustado com o barulho ficou atônita ao ver o que a filha havia feito. Com outro urso, dessa vez um amarelo bem grande, impediu que a mãe entrasse. Era aquele o seu espaço. Ela já não pertencia ao mundo lá fora, e nada de lá pertencia a ela. E a mãe ainda berrou injúrias à filha "possuída".

Ora, já não sabia quem era ou o que era, queria e não queria porquês ilógicos, e não, não seria então capaz de acreditar no objeto de gesso ou no que ele se dizia ser. Continuava apaixonada pelo teto, assim como os pedaços de gesso continuavam no chão. Ao fim do terceiro mês fechou os olhos e descansou. Ou descobriu uma maneira de se tornar teto.

E foi.

Duas semanas mais tarde a mãe lembrava da boa filha que teve enquanto recolhia pedaços de gesso e o urso cor de rosa.

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Este é sem dúvidas, de todos os textos que já escrevi, um dos que mais me emocionam.

Talvez porque ele date de muito, muito tempo atrás. 2000 ou 2001.

Uma época, felizmente superada, onde de pelúcia era eu. Onde eu só pertencia ao teto.

Walk in Line

Ela cresceu em uma bolha de sentimentalismo barato, chantagens emocionais e choros minguados pelos cantos.O turbilhão de sentimentos que se desenvolveu a sua volta a tornaram extremamente sensível, mas inegavelmente de uma forma dramática. She needs mora drama. Vivia dele.Não era algo ensaiado e montado como uma peça teatral do colégio. Seu drama era real, por um lado, e só existia em sua cabeça, por outro. Mas o que existia em sua cabeça, soava como real.E esse fantasioso drama real existe na cabeça de qualquer um. O drama da preocupação, o drama da angústia, da ansiedade, e principalmente o real e o doloroso drama das expectativas.
Era impressionante a capacidade de andar na linha da maneira mais fora da linha possível.Sentia em excesso. Em um mundo onde sentir é sempre um excesso.Racionalizava, teorizava, mas no fundo era só sentimentos.
Se conter. Um desafio diário que mesclava uma ética comportamental e um sentimento de "mea culpa" com o mundo."se eu não errar, não me sinto compactuando"Mas no fundo, seus sentimentos drámaticos queriam viver o certo, o incerto e o errado. Feel the taste.O cigarro era acendido às escondidas, o porre sempre interrompido, os desejos contidos.Até pra viver havia de ser dramático.E em seu roteiro a identidade secreta ainda não conseguia tomar vida própria.
Não estamos tratando de falso moralismo, que fique claro desde já caro leitor.Simplesmente para os outros ok. Para ela não.Ora bolas, não é fácil viver com uma boa imagem e manter e idéias perversas na cabeça.
Mas, de repente chega. Abriu-se a caixa de pandora, com os maus sentimentos daquele mundo particular.
"it's time to move over ,So I want to be"
Há de se salientar, claro, que "maus sentimentos" é apenas um julgamento. Não o dela. Não o meu. Talvez não o seu. Digamos que nessa caixa de glória estavam guardados os desejos mais secretos, o fetiches mais quentes...Digamos que de repente chega um brisa de juventude.Tardia, mas ainda em tempo de fazê-la acontecer.Os sentimentos puros e belos, o romantismo sempre deslavado, a esperança e o amor ainda continuam lá.
Mas ela agora entende que chega um ponto onde não dá mais pra brincar de sofrer.Um pouco antes de seu doce virar féu.A parte doce ainda espera o príncipe encantado no cavalo branco, inevitávelmente. O que mudou é que a bela adormecida acordou mais cedo.
"I just wanna be a woman"
Com uma dose de juízo a menos, um pedaço de vontade a mais e a mesma essência.No final, todos serão felizes para sempre.
Invariavente com o drama da preocupação, o drama da angústia, da ansiedade, e principalmente o real e o doloroso drama das expectativas, o que a torna humana.Mas agora, com muito mais diversão.

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Post de 23 de dezembro de 2007, retirado do meu VoX.
Adoro reviver textos antigos!
E sim, tenho tido mais diversão.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Cartas a May

Sossega teu coração menina.
Sossega porque a vida é curta e a dor ainda será muita.
Tua vida ainda começa, e a dor que sentes apenas te prova que estás viva.
Sossega teu peito, e eu te ofereço meu acalanto, menina.
Te ofereço meu ombro e minhas mangas para que sequem suas lágrimas.
A dor de amor não há de te matar, e por mais que pareça, a falta, por fim, não lhe vai esvair o ar.
Queria que o meu sorriso puxasse o teu, e juntos os dois curassem quaisquer dos males do mundo.
Mas o mundo que estamos não pára para a sua dor.
E eu sei que as vezes tudo o que nos resta e nos entregar a um torpor pra enganar a vida.
Mas sossega o teu coração, menina.
No mesmo pomar há maçãs mais doces, que eu sei, você ainda há de provar.
Sossega, por que no mundo há amores diferentes e esse, que a gente sente, nos permite continuar.
Sossega porque és minha menina, minha irmã e minha amiga, companheira dessa vida e de tudo que chegar
Explora a tua curiosidade, tua força de vontade e seu gosto por sonhar.
E conta, com meu sorriso, minha prece, que o teu coração logo esquece e logo volta a pulsar.
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"Quando a realidade nos chama, a vida mais assusta que dói.

Só assim a gente vê que não é tão forte, nem tão sábio, nem tão seguro de si.

E vê que a vida o tempo inteiro jogou com a gente, enquanto nós, do alto de nossa prepotência, queríamos jogar com a vida.

Quando a dor é conseqüência da vida, não há remédio que cure, nem tratamento que sare.

A não ser que você queira deixar a vida de lado.

Aí, a coisa toda chega no ponto da dúvida, e mais uma vez você vai ter que julgar o que te parece mais seguro: encarar pra aprender ou fugir para tentar crescer. Mas você sabe, e eu sei que aprendendo se cresce e crescendo se aprende.

Assim são feitas escolhas e, assim, se segue a vida.

E a gente continua achando demais. Tentando prever o futuro das próprias vidas... Sem nunca se lembrar que só quando chegam à flor da pele, as coisas se tornam reais" -

(Trecho do texto "À flor da Pele", escrito por mim em 2002)

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Eu daria tudo May, tudo, pra te fazer simplesmente esquecer.
Mas eu sei que a cicatriz vai sempre te fazer lembrar.
E a gente vai tá lá em alguma palhaçada pra tornar a lembrança, sorriso!

À(A)s dores do mundo

Quantas vidas em vão se vão?
How many lives will be in vain?
Quante vite sarà vano?
¿Cuántas vidas serán en vano?
Wie viele Leben sind umsonst?
Combien de vies seront en vain?

E quanto vale uma vida que vai?

Mesmo que em todas a línguas não se traduza saudade
Será que a dor é sempre igual?

Às vezes me puno por ler os jornais
E às vezes me culpo por sê-lo.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Continuo aqui

Para Maria e Mayara, que continuam aqui comigo.




Eu, não tenho medo da morte
Estou aberta pra sorte
Não me preocupo o tempo inteiro em ganhar

Eu, posso esconder meus pecados
Fazer de tudo errado
E mesmo assim não vou me recriminar

Eu, acho que a vida tá curta
E que as vezes se surta
Mas o que vale é se garantir

Eu, não to podendo nem devendo tanto
Sou de risada e também sou de pranto
E contra tudo continuo aqui

Eu, já não duvido de nada
Mas não acredito em conversa fiada
Finjo de besta só pra me distrair

Eu, nunca me sinto muito nornal
Da minha vida faço meu carnaval
E acho gosto em sempre me iludir

Eu, quando já sinto que a coisa tá preta
Coloco os medos todos numa gaveta
A solução pro nosso povo é sorrir

Pra mim, viver já é o remédio
Só me assusto com tédio
Contrariando, continuo aqui

Conversa é só sem eira nem beira
Melhor gandaia é na segunda-feira
Semana toda tento me distrair

Eu sei, todo esse samba tá me deixando louca
Cabeça cheia, coisa certa na boca
Cada palavra faz eu me permitir

Eu, agora sonho de tudo
Quero viver cada destino absurdo
Tenho chegada mas não quero sair

E se você, não entendeu o que eu digo
Não se incomode amigo
Eu cuido do meu umbigo, e continuo aqui

Eu continuo aqui...

(Gabi Dornelas)


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Ah, um samba de caixinha de fósforo. Me fez sorrir do tabalho até em casa.
Pra caixinhas de fósforo, balde vazio e tampa de panela.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Não vou me adaptar!

Estão tentando apagar minhas memórias. Mas isso eu não vou deixar.

Passo pelas ruas em maio, e as crianças vestidas de branco me relembram o tempo das coroações. As musiquinhas entoadas a plenos pulmões pelo pequeninos que disputavam: "eu levo a coroa! eu levo o terço!". Tudo para que os pais, lá embaixo nos bancos da Igreja, sorrissem orgulhosos.
Mas aí a Igreja mudou, o altar mudou...
Me lembro da última viagem de trem, as expectativas, a espera, as confusões, os micos. Me lembro da penúltma, quando levamos uma amiga para sua primeira viagem de trem. Aí me pergunto se tenho fotos destes dias.
Porque a estação já não é mais a mesma. A que eu me lembrava foi demolida.
No estádio me lembro dos tombos na arquibancada. Das arquibancadas rabiscadas.
Que agora se tornarão cadeiras...
Ao subir no muro do bairro, quando crianças, apostávamos quem jogava pedras até o segundo trilho.
Agora ao olhar, as linhas férreas são três.
No orkut encontro a garota que estudou comigo na Escola de Teatro Municipal
E a escola nem existe mais.
O grande amigo estudou comigo na pré-escola. Que agora só tem cursos tecnicos.
O Ademar do Bar já não é mais o mesmo. Não mesmo. Um novo Ademar comprou o lugar.
O Gibi fechou no Centro Comercial e as moças que vendiam bala no Estadual não vendem mais.
Uma vizinha morreu, outra adoeceu. A terceira foi morar com a filha e todas elas levaram consigo seus quitutes e fofocas de fim de tarde.
Os uniformes das escolas mudaram, as empresas trocaram de nome, as pessoas mudaram.
Eu me mudei e voltei para a mesma casa que nasci.
E essa minha casa também mudou.
Não tem mais as pilastras laranja, nas quais eu ameaçei me amarrar quando mudamos daqui a primeira vez.
Eu mudei.
Mudei porque a minha cidade, apesar da minha nostalgia e apego ao passado, está mudando rápido. Rápido demais para alguém que tem um coração museu e que queria mostrar pros filhos cada lembrança de uma vida com gostinho de quero mais.

Estão criando um novo lugar. E a modernidade trás para aqui a adaptação para o sem número de gentes que chegaram, trazendo no peito, talvez, o desejo de ter, como eu tenho, um lugar com gostinho de quero mais.
Mas o meu "quero mais" daqui se esvai como a areia de uma ampulheta.

De certa forma estão tentando apagar minhas memórias. Mas isso eu não vou deixar.
Vou-me embora, logo, para um novo rumo.
Vou querer mais do mundo, e deixo meu mundo na memória.
E nas visitas festivas de feriados santos.

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Adoro usar nomes de músicas para meus textos.
Talvez porque cada música, e/ou letra, levam de forma bem pessoal a alguns sentimentos.

"Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia"
(Arnaldo Antunes - Não vou me adaptar)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Roda Viva

Ele disse que confiava no meu trabalho pois eu já era conhecida. A frase me poupou de escrever um daqueles maçantes “textos-teste”. Cheguei há dois dias e tenho um (quase) emprego.
Não estou saltitante, não liguei para os parentes. Acendi um cigarro na esquina, sentei e chorei.
Nasci em Ipatinga em 1985, um ano em que provavelmente nada aconteceu por aqui de memorável, além de nascimentos e falecimentos.
Até certa idade acreditava que não existia mundo além deste meu. Como se as notícias dos grandes jornais e da tv acontecessem em um outro planeta.
Quando vi que o mundo era todo o mesmo, o meu e o dos jornais, me interessei, pois, pelas notícias.
No momento em que todos aqueles dos nascimentos de 85 pensavam em partir daqui, eu sentia dor em pensar nisso. Por fim, poderia ter tentado mais, lutado mais... Mas, no mais, escolhi ficar.
Foi sobre Ipatinga que escrevi a primeira crônica publicada, daquelas onde se lia abaixo do título impresso no papel jornal: “Gabriela Dornelas”.
Eu vivo bem. Ando na rua e sei histórias, conheço pessoas, reconheço cada coisa. Me especializei em ser daqui. Por paixão, por entrega. Conheço minha cidade como a palma da minha mão e sei que ela me conhece. Sei pelos dias que de repente venta quando eu estou caminhando, por quando flores caem das árvores na minha direção e me fazem sorrir.
Mas acontece que a gente cresce, cidades e pessoas. Nem sempre no mesmo ritmo, nem sempre na mesma direção.
Eu andei por Ipatinga hoje, como alguém que dá voltas em seu próprio eixo. Alguém que teve de andar para constatar que a terra é redonda.
Me sufoca não saber o que eu quero. Me angustia não conseguir algo fora daqui.
Me alivia olhar e ver que não quero continuar aqui.

Quando decidi e escolhi ficar em Ipatinga, o fiz por acreditar neste lugar, como ainda acredito. O fiz por querer um dia criar meus filhos aqui.
Quando optei por Ipatinga, eu nunca limitei esta cidade.
Mas agora, ao decidir encarar o mundo, sinto que esta cidade me limitou.

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"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá..."
(Roda Viva - Chico Buarque)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Cartas a Marie II

Sabe, olho às vezes para mim mesma e penso: "Quero viver de saudades". Das dolorosas, das inevitáveis.
Não entendo como as outras línguas do mundo não conhecem essa palavra se o sentimento é tão universal. Quero viver de sentir.
Cheguei a conclusão que quando acordo sentindo aquele vazio enorme no peito, eu ao menos sinto que tenho ago no peito. É horivel acordar sem sentir.
Desde que parti tenho conhecido sentimentos novos por coisas e pessoas que não imaginei sentir. Quando te ver de novo você vai me encontrar sendo mais eu.
Pode parecer besta, falar que menos de um mês tenha me mudado... Não sei, mas quando passei pelos navios e pelo mar ao ir embora, eu não me senti uma estranha.

Eu não sei perder, minha cara. Não sei perder um objeto, como não sei perder uma amizade querida. Nunca soube aguentar essa dor. Ainda não sei, mas acredito que a enfrentaria de modo bravo, com toda a dor e melancolia cabíveis.
Eu quero viver de saudades, mesmo sem saber se sobreviveria.

Mas esta carta segue, porque mesmo com toda esta disposição para encarar qualquer lugar do mundo sozinha, eu gostaria de viver de saudades com você por perto. Talvez para fazer das nossas melancolias e saudades motivos para sorrir.
Ou simplesmente porque tenho sentido muito a saudade que lhe pertence.


"Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero
Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida"¹
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Encontros e Despedidas - Maria Rita

domingo, 17 de maio de 2009

Canção do Exílio

(Gonçalves Dias)


Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

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E hoje, na próxima hora, findam meus dias de auto-exílio.
Foram dias de aproximação, libertação e conhecimento.
E farra, claro. Muita.

Produzi muito, escrevi muito. Ainda falo destes tempos, ou resolva postar textos já escritos.


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Há 20 anos atrás...

eu já te amava há 9 meses.

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14 de maio de 2009, os afinal 20 anos da minha irmã mais nova.

Desde 1989 uma data determinante pra mim! =)

Esquadros

(Adriana Calcanhoto)

Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...

Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Recado

Boa, tarde.
Boa noite.
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Assim, bem simples.
E não, não sou sem coração e esqueci o dia das Mães. Maezinha tava aqui, do lado.
Ainda em Vitória, a vida prossigo.

domingo, 10 de maio de 2009

Uma fábula

Aos dois anos ela veio da itália com os pais para o interior, do interior do estado de Minas Gerais. Os pais, junto com tantos outros, formariam um novo lugarejo.
A tradição católica rigorosa a acompanhou por toda a vida. Casou-se aos catorze, em uma época em que isso era comum. Passou aos filhos, aos netos e aos bisnetos cada preceito religioso que a si fora ensinado.
Já adultos os bisnetos não se esqueceriam das tradicionais semanas santas, passadas no vilarejo e regadas de muito bacalhau e peixes frescos, consumidos por toda carnívora família, temerosa da heresia de se comer carne vermelha nos dias sagrados.

Com 91 anos perdeu o marido e, na fuga da falta dos 77 anos conjugais, saiu de seu vilarejo para morar com uma filha. Um mundo novo se apresentou.
Um dia, a família reunida questiou porque ela, vinda da Itália, fazia muitas massas, mas nenhuma pizza. "Eu já ouvi falar muito, mas nunca comi isso, a tal pizza". Se apaixonou pela calabresa.

Aos 96 já era sabido que uma simples (para adultos e jovens fortes) gripe estava a levá-la, aos poucos, de todos.
A semana santa se proximava e, no hospital, os filhos se preocupavam em garantir que o cardápio para a adoentada resguardasse a tradição de tanto bacalhau.
Na quarta-feira, já bem debilitada, recebeu como jantar uma quente sopa de legumes.

"Não quero essa sopa"
"Mas mamãe, a senhora tem que comer, se fortalecer" - insistia uma filha já preocupada.
"Claro que quero comer. Mas quero pizza. De calabresa" - e sorriu como uma criança que faz arte.

(Se queres tomar esta como uma crônica de comportamento, encerre aqui sua leitura. Com a boa velinha e heresia. Mas o título já o avisou de esta ser uma fábula, e para chegarmos a isso, há o desenrolar dos fatos)


De pronto o pedido foi atendido. Claro que não foi tão simples. Além dos olhares, se ouvia de um ou outro "É... acho que ela já está perdendo a sanidade" ou "Mas ela? Ela mesmo pediu com carne?".

Ela devorou a pizza. Uma das bisnetas, que já comia carne desde a segunda, aproveitou de sua juventude e perguntou o porque daquele ato (e ganhou um beliscão da mãe).

Tranquilamente, a velha se recostou na maca com o pedaço de pizza na mão e olhando para ele começou "Tem coisas que demoramos por descobrir" - e olhando para a neta, concluiu

"E de tudo o que descobri nessa vida tão longa, o que mais me importa é perceber que conhecendo toda gente, e me estando bem com Deus, digo com muita tranquilidade: o grande problema não é o que colocamos pra dentro de nós, mas o que de dentro de nós sai".

Três dias depois ela se foi.



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Não importa o quanto se esforça em meios, jeitos, atividades e dietas para tornar melhor o corpo, o organismo, a digestão ou a sociedade.
Nossas reações nos tornam humanos, e a maldade que algumas vezes sái de dentro de alguns os tornam podres por dentro.

A moral da história é até mais simples que isso, cada um que tire a sua.


Hoje a melancolia habitual me levou à nostalgia de meus feriados santos até 2003, quando a bisa Geralda se foi.

Prólogo

"Se o mundo inteiro
Me pudesse ouvir
Tenho muito prá contar
Dizer que aprendi...

E na vida a gente
Tem que entender
Que um nasce prá sofrer
Enquanto o outro ri.." ¹


Cada palavra que aqui transcrevo tem sua essência retirada de fatos a mim ocorridos ou passíveis ao alcançe dos meus olhos. Há de se ressaltar, entretanto, que a transposição entre meus olhos e ouvidos até minha mente, e depois ao papel (ou diretamente à tela do computador), passa pelo crivo ficcionalizador da crônica, que me ajuda a enxergar o mundo p&b em bons tons de aquarela.

Quisera eu ser uma cronista do cotidiano. De sentar em cafés ou praças e tirar, do passar e repassar de gentes, a gota de inspiração que move a escrita mais inspirada ou simplesmente as palavras necessárias. Minha musa é a humanidade com suas vitórias e conquistas, mas pricipalmente com suas mazelas e sofreguidões, talvez por estas me levarem sempre às dores das minhas próprias.

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¹ Azul da cor do mar, Tim Maia

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A palo seco

As dores de uma vida podem ser muitas. E ninguém é tão grande pra curar ou saber de todas elas.
Assim, a palo seco seguem tantos Marcos, Pedros, Josés, Gabrielas, Marias, Anas...
Perdidos em misérias de horas, dias, semanas, meses, anos e vidas passados em meio ao vão de tantas outras tão iguais.

A Maria voltou pra casa correndo pra ficar junto dos filhos, pois não sabe se tem mais medo da doença do mosquito, da do porco, ou da violência de onde vive, responsável por levar tantos outros filhos de mães inocentes. Ela se arrependeu o dia inteiro de ter lido o jornal.

O Marcos que com o coração partido chorava ao som das mais melosas canções, abafado pelo travesseiro. Mais que a dor da traição, lhe doía o orgulho em imaginar toda família o assistindo assim, tão mal. Ninguém imaginava que o namoro de tantos anos acabaria de forma tão cruel. Ele se arrependia, no fundo, de ter remexido o email da namorada.

Pedro bebia mais um gole da cachaça. A mulher já estava pronta pro que viria. Mas ele tinha sua razão de estar, e ninguém o culparia. Lutou por anos em busca de salários mais justos e quando todo tipo de luta foi suprimida ele não admitiria seguir naquelas condições! Pediu conta havia 3 semanas. A cada gole da bebida forte, engolia junto a dor de admitir a si próprio que sem o salário chegando no fim do mês ele não sabia como lidar com as despesas básicas da família.

José voltava pra casa abatido, pronto a dar a notícia de mais uma reprovação. Sabia que ninguém diria grosseria alguma e, aquilo sim, fazia a ferida doer mais. Foi o não dizer nada da família que o colocara ali. Família de médicos, era só o que ele ouvira ao longo dos anos. Ninguém disse diretamente "vai lá, sede o próximo". Depois da quarta tentativa e de ver colegas se formando, ele não conseguia explicar a si mesmo porque até então não tinha contado a ninguém sua paixão pela geografia.

Ana se remexia na cama. Sabia que o sono não viria, como nunca vem. Mas esta noite em especial ela se recusava a, mais uma vez, dormir por meio dos remédios fortes. A cabeça a mil fazia, sem parar, considerações e desconsiderações sobre seu próprio caso. Sim, ela não dormiria aquela noite, mas logo, dia após dia o cansaço viria e o corpo então se renderia ao sono. Seria a oportunidade para tudo se normalizar. Mas até lá os dias de trabalho no escritório seriam muito mais longos, e os momentos de lazer no horários "normais" não seriam proveitosos. Tomou o remédio pensando no quanto queria se lembrar como eram os sonhos.

No escuro da noite já alta, Gabriela tateia com os olhos arregalados as teclas de um computador. A visibilidade é quase nenhuma e ela tenta se esquivar, na tela iluminada, do seu medo de escuro. Do seu medo de imaginar que lá, na escuridão da noite, se esconde um mal maior que ela. Ela se apega às palavras digitadas, "pescadas" na mente e jogadas na tela. Engana o sono porque sabe que mais uma vez não haverá nada a ser feito no dia seguinte. Ela sabe que vai rir disso com ao menos umas 4 pessoas, e fazer piada de si própria com mais 2, ao mesmo tempo que vai se sentir frustrada por não se achar. Buscava por fim, refúgio em alguem que como ela enfrentava e fugia todo dia do medo de não conseguir ser feliz, seja no que for. Mas alguém que como ela tinha seus medos próprios, fugas próprias, problemas bem individuais.

Uma outra Maria, que dá por fim um ciclo interminável de tantas outras Marias, Anas, Marcos, Pedros, Gabrielas e Josés que vivem da ilusão de que estamos todo dia criando nossos pequenos castelos pra se proteger da vida real.
Pessoas que sempre acreditam que seus medos, problemas e anseios são maiores e mais urgentes.
Todos vivendo à palo seco, porque sabem o que nenhum dicionário vai ensinar: que não há nada mais a palo seco do que a vida.



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A canção entra aos ouvidos e o nome logo me vem a cabeça. O buscador da internet, que em casa é um grande amigo, aqui me soa traidor. Demoro longos minutos para achar em um dicionário de expressões o significado da frase.

A palo seco -
desprotegido, frágil, desamparado. A expressão, assim como a palavra palo não consta dos dicionários consultados pelo autor, mas há três registros significativos na região:
"O cante a palo seco/é um cante desarmado: /só a lâmina da voz/ sem a arma do braço / que o cante a palo seco/ sem tempero ou ajuda/ tem a abrir o silêncio/ com sua chama nua” - “A palo seco”, João Cabral de Melo Neto, o que o baiano Tom Zé registrou no encarte de seu disco “No jardim da política”.
É também o título de uma música de Belchior, gravada por ele e por Ednardo:
“Se você vier me perguntar por onde andei /
no tempo e que você sonhava /
de olhos abertos lhe direi/
amigo eu me desesperava(...)"