segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O anjo mais velho

Meu bom amigo,

Por mais que às vezes tenho a sensação de que alguns momentos estão a um piscar de olhos de distância, o tempo passou mais rápido do que imaginávamos. Já são dois anos desde que a falta de você se fez eterna. Tantas coisas giraram o mundo sem os seus comentários tão sagazes! Muito mudou em nós, muito retrocedeu e muito continua o mesmo, como você deixou.

É duro começar a enxergar todos os dias que não somos mais aqueles quase crianças de quando nos conhecemos. A idade tem mudado os nossos corpos, cabeças e realidades. Nossos amigos se lamentam do preço do rum e discutem empregos e vidas pós academicas. Os estudantes já são profissionais e os médicos da turma estão praticamente doutores prontos. Deixamos de ser tão filhos, para sermos homens. E pela primeira vez, como tanto esperávamos, um de nós já será pai.

Casais antigos se mantiveram, desfizeram e novos surgiram. Amigos se tornaram maridos, viajantes, amantes... Pessoas novas foram agregadas, como sempre questionadas e em sua maioria aceitas. Não perdemos o senso crítico bem humorado, nem tampouco o jeito único de acolher quem nos aceita tão defeituosos e pretensos perfeitos.

Trabalhamos os defeitos e em muitos casos conseguimos deixa-los piores! Trabalhamos a importância que temos e com isso a paciência acabou por se tornar suficiente aos defeitos ampliados. Ainda tentamos nos impressionar, ficamos de bico, sentimos saudades, discutimos besteiras, ouvimos de tudo, conhecemos o que é novo, reclamamos de coisas absurdas, conversamos papos sem sentido e ainda sorrimos.

Eu ainda sumo quando me sinto perdida, mas não tenho mais você me chamando de “Wally”. Ainda tenho medos bobos e superei sustos antigos. Eu ainda me sinto estranha e ao mesmo tempo a vontade perto de algumas pessoas. Mas eu agora me pego sorrindo do nada, enquanto pisco os olhos repetidas vezes, tentando guardar bem dentro da memória alguns momentos.

Por muitas vezes nós nos afastamos, nos julgamos, e acreditamos que, com cada um em seu caminho, seriamos todos lembranças. Mas no fundo passamos os dois últimos anos sentindo falta do mesmo lugar imaginário onde costumávamos ser família. E assim, ainda alugamos a tua família como nossa, ainda bebemos como jovens que acreditam que uma noite será a última. Agora, com a consciência de que qualquer uma pode realmente ser.

Por isso a gente se olha quase se absorvendo, lembra de tiques e manias bestas e caçoamos de nós mesmos. A gente reconta as melhores histórias, as melhores fotos, os grandes dias. Seja para que um alimente a memória do outro, e nunca deixe nenhum pedaço partir, ou para reservar repertórios ao próximo Clube que se formará.

A maioria de nós ainda não sabe pra onde está indo, o que vai ser quando realmente crescer. Grande parte não vai saber ou nem quer. Mas dá pra sentir de longe que cada um sabe de onde veio, o caminho que percorreu. E em comum, mais do que algumas doses regadas a coca ou cervejas, temos vestígios de uma vida que se foi. E sabemos que juntos, esses vestígios e sorrisos chegam mais perto do que é, foi e será real.

Já se aprendeu que a vida segue, que é tão curta, que deve ser grande. Mas há de se respeitar a saudade , sempre, independente de quando ela vier. Porque nos melhores ou piores momentos ela nos lembra a importância de, quando nos perguntarem se estamos bem, afirmarmos que sempre estaremos juntos.

Uma carta a Abílio que se foi. Pelos amigos de sempre e por Sofia, que chega.

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"O anjo mais velho" é o título de uma canção de "O teatro mágico", cujo refrão diz "Só enquanto eu respirar vou me lembrar de você".

As atualizações ainda andam escassas, o que vou melhorando, e eu acho que, em definitivo, não sei mesmo fazer um layout. Deixo tudo assim...