quarta-feira, 27 de maio de 2009

Não vou me adaptar!

Estão tentando apagar minhas memórias. Mas isso eu não vou deixar.

Passo pelas ruas em maio, e as crianças vestidas de branco me relembram o tempo das coroações. As musiquinhas entoadas a plenos pulmões pelo pequeninos que disputavam: "eu levo a coroa! eu levo o terço!". Tudo para que os pais, lá embaixo nos bancos da Igreja, sorrissem orgulhosos.
Mas aí a Igreja mudou, o altar mudou...
Me lembro da última viagem de trem, as expectativas, a espera, as confusões, os micos. Me lembro da penúltma, quando levamos uma amiga para sua primeira viagem de trem. Aí me pergunto se tenho fotos destes dias.
Porque a estação já não é mais a mesma. A que eu me lembrava foi demolida.
No estádio me lembro dos tombos na arquibancada. Das arquibancadas rabiscadas.
Que agora se tornarão cadeiras...
Ao subir no muro do bairro, quando crianças, apostávamos quem jogava pedras até o segundo trilho.
Agora ao olhar, as linhas férreas são três.
No orkut encontro a garota que estudou comigo na Escola de Teatro Municipal
E a escola nem existe mais.
O grande amigo estudou comigo na pré-escola. Que agora só tem cursos tecnicos.
O Ademar do Bar já não é mais o mesmo. Não mesmo. Um novo Ademar comprou o lugar.
O Gibi fechou no Centro Comercial e as moças que vendiam bala no Estadual não vendem mais.
Uma vizinha morreu, outra adoeceu. A terceira foi morar com a filha e todas elas levaram consigo seus quitutes e fofocas de fim de tarde.
Os uniformes das escolas mudaram, as empresas trocaram de nome, as pessoas mudaram.
Eu me mudei e voltei para a mesma casa que nasci.
E essa minha casa também mudou.
Não tem mais as pilastras laranja, nas quais eu ameaçei me amarrar quando mudamos daqui a primeira vez.
Eu mudei.
Mudei porque a minha cidade, apesar da minha nostalgia e apego ao passado, está mudando rápido. Rápido demais para alguém que tem um coração museu e que queria mostrar pros filhos cada lembrança de uma vida com gostinho de quero mais.

Estão criando um novo lugar. E a modernidade trás para aqui a adaptação para o sem número de gentes que chegaram, trazendo no peito, talvez, o desejo de ter, como eu tenho, um lugar com gostinho de quero mais.
Mas o meu "quero mais" daqui se esvai como a areia de uma ampulheta.

De certa forma estão tentando apagar minhas memórias. Mas isso eu não vou deixar.
Vou-me embora, logo, para um novo rumo.
Vou querer mais do mundo, e deixo meu mundo na memória.
E nas visitas festivas de feriados santos.

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Adoro usar nomes de músicas para meus textos.
Talvez porque cada música, e/ou letra, levam de forma bem pessoal a alguns sentimentos.

"Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia"
(Arnaldo Antunes - Não vou me adaptar)