quarta-feira, 10 de junho de 2009

O que importa

"Aqui é pequeno mas dá pra nós dois
e se for preciso a gente aumenta depois
Tem um violão que é pras noites de lua
Tem uma varanda que é minha e que é sua

Vem morar comigo meiga senhorita
Doce meiga senhorita
Vem morar comigo"¹


É, parece um evento mesmo.
Uma semana antes eu já começo preparativos. Aviso amigos, combino saídas.
Hoje, um dia antes, eu acordo cedo e arrumo os quartos (coisa difícil para alguém que, como eu, vive muito bem em uma confusão organizada).
A faxineira arruma a casa e à noite é hora de fazer compras.
"Mãe, coloca muito legume e verdura na lista porque o namorado é vegetariano"

Provavelmente essa noite eu nem durmo. A ansiedade acaba quando o telefone toca, e uma chamada a cobrar avisa que ela, lá pelas 4 da manhã, nos espera na rodoviária.

Toda vez que minha irmã vem pra casa é assim.
Sei que estive com ela há menos de um mês. Mas toda vez que estamos aqui é diferente.
Volta a ser o velho igual. Nosso mundinho...

Quando eu estiver morando com ela de novo, o que deve acontecer a partir de setembro, não quero que isso acabe. As duas vão sentir a mesma taquicardia quando o ônibus chegar ao Vale do Aço.
E sei, que cada dia que eu sair pro trabalho, ou ela pra faculdade, na volta sempre vai haver a palpitação de se reencontrar.

Um dia, seguindo o que, para mim, é um curso natural, serei mãe.
Mas minhas excitações fervilham, pois sei que depois darei ao meu filho a benção e a maravilha de ser irmão.
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¹Meiga senhorita - Zé Geraldo

A música é uma história destas ansiedades, cá pra nós!
=)

domingo, 7 de junho de 2009

De pelucia

Eu preciso de você. Dizia assim a letra da música melancólica que tocava. Mas, não. Não mais. Já não era necessário ninguém. Não existiria pessoa alguma no mundo capaz de tirá-la daquele universo entorpecedor na qual havia entrado. E entrado sem querer.

Não era sua culpa, afinal nem ela mesma era capaz de entender aquilo que havia se tornado. Não era seu destino. Ninguém havia planejado. Podia ser o fundo do poço, fim da linha, no way. Nem isso era mais capaz de saber. Até a pouco só era capaz de sentir. Raciocínio nulo. Agora, até os mais simplórios sentimentos a haviam abandonado. Só tinha aquele vazio e aquela vontade cretina de olhar para o teto durante todo o dia.

É, era isso mesmo. Viajar. Pensar no nada. Mergulhar no coisa nenhuma enquanto o teto a perseguia misteriosamente. O teto, o branco sujo do teto do quarto, a luminária antiga com alguns fios soltos. Junto com o teto, a parede que a ele se unia. Pôsteres de bandas que ela nunca mais ouviu, fotos de amigos que ela nem sabia se estavam vivos. Um relógio com desenho de ursinho que não tinha pilhas. Um crucifixo de gesso começando a descascar.

Os pôsteres grandes disfarçavam os descascado da parede que clamava por reforma. O relógio, mesmo empoeirado tinha seu ar de graça. As teias de aranha nos cantos eram com absoluta certeza o único sinal da existência de vida naquele ambiente. Os porta retratos levavam o corpo inerte que se estendia na cama a um mundo onde ela ainda sabia definir o que era: ao menos nada significava alguma coisa.

Coisa alguma seria mudada, nada merecia o gigantesco esforço que representava pensar em o que fazer com eles. Viu o crucifixo novamente.

Foi capaz de pensar em algo.

Não iria por nada sair daquela cama.

Não seria capaz.

Com um tiro certeiro derrubou o crucifixo com um urso de pelúcia cor de rosa. O gesso se partiu em mil pedaços e a mãe que havia se assustado com o barulho ficou atônita ao ver o que a filha havia feito. Com outro urso, dessa vez um amarelo bem grande, impediu que a mãe entrasse. Era aquele o seu espaço. Ela já não pertencia ao mundo lá fora, e nada de lá pertencia a ela. E a mãe ainda berrou injúrias à filha "possuída".

Ora, já não sabia quem era ou o que era, queria e não queria porquês ilógicos, e não, não seria então capaz de acreditar no objeto de gesso ou no que ele se dizia ser. Continuava apaixonada pelo teto, assim como os pedaços de gesso continuavam no chão. Ao fim do terceiro mês fechou os olhos e descansou. Ou descobriu uma maneira de se tornar teto.

E foi.

Duas semanas mais tarde a mãe lembrava da boa filha que teve enquanto recolhia pedaços de gesso e o urso cor de rosa.

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Este é sem dúvidas, de todos os textos que já escrevi, um dos que mais me emocionam.

Talvez porque ele date de muito, muito tempo atrás. 2000 ou 2001.

Uma época, felizmente superada, onde de pelúcia era eu. Onde eu só pertencia ao teto.

Walk in Line

Ela cresceu em uma bolha de sentimentalismo barato, chantagens emocionais e choros minguados pelos cantos.O turbilhão de sentimentos que se desenvolveu a sua volta a tornaram extremamente sensível, mas inegavelmente de uma forma dramática. She needs mora drama. Vivia dele.Não era algo ensaiado e montado como uma peça teatral do colégio. Seu drama era real, por um lado, e só existia em sua cabeça, por outro. Mas o que existia em sua cabeça, soava como real.E esse fantasioso drama real existe na cabeça de qualquer um. O drama da preocupação, o drama da angústia, da ansiedade, e principalmente o real e o doloroso drama das expectativas.
Era impressionante a capacidade de andar na linha da maneira mais fora da linha possível.Sentia em excesso. Em um mundo onde sentir é sempre um excesso.Racionalizava, teorizava, mas no fundo era só sentimentos.
Se conter. Um desafio diário que mesclava uma ética comportamental e um sentimento de "mea culpa" com o mundo."se eu não errar, não me sinto compactuando"Mas no fundo, seus sentimentos drámaticos queriam viver o certo, o incerto e o errado. Feel the taste.O cigarro era acendido às escondidas, o porre sempre interrompido, os desejos contidos.Até pra viver havia de ser dramático.E em seu roteiro a identidade secreta ainda não conseguia tomar vida própria.
Não estamos tratando de falso moralismo, que fique claro desde já caro leitor.Simplesmente para os outros ok. Para ela não.Ora bolas, não é fácil viver com uma boa imagem e manter e idéias perversas na cabeça.
Mas, de repente chega. Abriu-se a caixa de pandora, com os maus sentimentos daquele mundo particular.
"it's time to move over ,So I want to be"
Há de se salientar, claro, que "maus sentimentos" é apenas um julgamento. Não o dela. Não o meu. Talvez não o seu. Digamos que nessa caixa de glória estavam guardados os desejos mais secretos, o fetiches mais quentes...Digamos que de repente chega um brisa de juventude.Tardia, mas ainda em tempo de fazê-la acontecer.Os sentimentos puros e belos, o romantismo sempre deslavado, a esperança e o amor ainda continuam lá.
Mas ela agora entende que chega um ponto onde não dá mais pra brincar de sofrer.Um pouco antes de seu doce virar féu.A parte doce ainda espera o príncipe encantado no cavalo branco, inevitávelmente. O que mudou é que a bela adormecida acordou mais cedo.
"I just wanna be a woman"
Com uma dose de juízo a menos, um pedaço de vontade a mais e a mesma essência.No final, todos serão felizes para sempre.
Invariavente com o drama da preocupação, o drama da angústia, da ansiedade, e principalmente o real e o doloroso drama das expectativas, o que a torna humana.Mas agora, com muito mais diversão.

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Post de 23 de dezembro de 2007, retirado do meu VoX.
Adoro reviver textos antigos!
E sim, tenho tido mais diversão.