quarta-feira, 20 de maio de 2009

Roda Viva

Ele disse que confiava no meu trabalho pois eu já era conhecida. A frase me poupou de escrever um daqueles maçantes “textos-teste”. Cheguei há dois dias e tenho um (quase) emprego.
Não estou saltitante, não liguei para os parentes. Acendi um cigarro na esquina, sentei e chorei.
Nasci em Ipatinga em 1985, um ano em que provavelmente nada aconteceu por aqui de memorável, além de nascimentos e falecimentos.
Até certa idade acreditava que não existia mundo além deste meu. Como se as notícias dos grandes jornais e da tv acontecessem em um outro planeta.
Quando vi que o mundo era todo o mesmo, o meu e o dos jornais, me interessei, pois, pelas notícias.
No momento em que todos aqueles dos nascimentos de 85 pensavam em partir daqui, eu sentia dor em pensar nisso. Por fim, poderia ter tentado mais, lutado mais... Mas, no mais, escolhi ficar.
Foi sobre Ipatinga que escrevi a primeira crônica publicada, daquelas onde se lia abaixo do título impresso no papel jornal: “Gabriela Dornelas”.
Eu vivo bem. Ando na rua e sei histórias, conheço pessoas, reconheço cada coisa. Me especializei em ser daqui. Por paixão, por entrega. Conheço minha cidade como a palma da minha mão e sei que ela me conhece. Sei pelos dias que de repente venta quando eu estou caminhando, por quando flores caem das árvores na minha direção e me fazem sorrir.
Mas acontece que a gente cresce, cidades e pessoas. Nem sempre no mesmo ritmo, nem sempre na mesma direção.
Eu andei por Ipatinga hoje, como alguém que dá voltas em seu próprio eixo. Alguém que teve de andar para constatar que a terra é redonda.
Me sufoca não saber o que eu quero. Me angustia não conseguir algo fora daqui.
Me alivia olhar e ver que não quero continuar aqui.

Quando decidi e escolhi ficar em Ipatinga, o fiz por acreditar neste lugar, como ainda acredito. O fiz por querer um dia criar meus filhos aqui.
Quando optei por Ipatinga, eu nunca limitei esta cidade.
Mas agora, ao decidir encarar o mundo, sinto que esta cidade me limitou.

_____________________________________________________________
"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá..."
(Roda Viva - Chico Buarque)

4 comentários:

  1. Eu sei, eu sei....

    Eu sou assim, pretensiosa, sabidona.

    Mas você sabe que eu sei.

    Num é?

    ResponderExcluir
  2. Olha, que bom te encontrei aqui.
    É bom ler e ser lido. Uma gratificação que nem da pra ser expressada pelo teclado.
    Roda pião, faz tempo que eu to com essa música do chico na cabeça. Outro dia queria até um post com o título "Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu".

    Beijo Gabi. Adorei o nome do blog e tá adicionado!
    ;*

    ResponderExcluir
  3. Gabi,

    o mundo não começou em 85. Aliás, em 85 eu saí de Ipatinga e fui, com 13 anos, assistir ao Rock in Rio I. Em 1985 os jovens já se beijavam, o sindicato brigava com a empresa, os meninos brigavam nos campinhos de pelada e a gente toda se embriagava para tapar o vazio que nunca deixa de existir.

    Ipatinga era outra, mas já era Ipatinga. Ela nnao mudou. Nós a mudamos, para melhor ou para pior, com cada noite não dormida, cada muro pichado, cada um que ficou e cada um que se foi.

    O mundo não começou em 85. Nem sua vida. Ela começa a cada dia, novemente e sempre. Em Ipatinga ou em qualquer outro lugar.

    Sorte.



    PS - Foi o Paulomar me falou do seu blog. Parabéns, muito bacana.

    ResponderExcluir
  4. "UM PASSO A FRENTE E NINGUÉM ESTÁ NO MESMO LUGAR!!" SIGA INTENSA GABI...

    ResponderExcluir