domingo, 9 de agosto de 2009

Porque o tempo é pó

Ele sabia de praticamente tudo! Mas praticamente tudo, sinaliza que faltava algo. Não sabia consertar o velho toca discos, não cantava bem e ninguém lhe ensinou a ser pai.
Não era simples como alguém que foge de aulas, reprova ou simplesmente não se interessa pelo assunto. Não teve instruções para tal, era isso. Se tentou, não se sabe, mas que não aprendeu, era fato. E não lhe venham com a conversa mole de que “certas coisas se aprende com a vida”, porque para ele, então, a vida havia sido anti-didática.
A cada ano se fechava mais, se tornava mais um não pai. E os filhos, que souberam nascer filhos, acabavam inevitavelmente se tornando menos filhos. Só a falta se tornava mais. Talvez a falta do sentimento imaginário, do lugar inexistente que construía magicamente as relações e que, de alguma forma, não passara por ali.
Mas ele era quem sabia de praticamente tudo. E praticamente tudo ainda significa muito. As meninas cresceram com os olhos de admiração. A admiração ao homem de quem herdaram os mínimos e máximos. Dos traços do nariz fino, dos lábios e o tom da pele. Do mau humor repentino e até mesmo a argumentação.
De pequenas, nos momentos sozinhas, comentavam entre si e disputavam quem se parecia mais. Adultas, evitavam reconhecer nelas próprias o que as irritara durante o crescimento. Mas riam quando se viam com o sorriso torto, algum trejeito peculiar ou pós crises ranzinzas.
E para quem nisso crê, a admiração é também essencial ao amor. E o amor nasce pelo alguém a quem se admira por lhe entregar a vida, lhe apresentar o lar. Ou até mais simplesmente pela tentativa de consertar o toca discos e pelos, raros, cantos desafinados.
O amor se revela com o tempo, com o valor que se dá às pequenas coisas. Mesmo um amor diamante, nascido do que se aparenta bruto.
No brilho de coisas simples do dia a dia e ao enxergar nos olhos do homem que sabe praticamente tudo, a consciência do que não se sabe. Na certeza, talvez um desejo, de que todos os erros cometidos buscam o melhor (mesmo que dos piores modos). E nos momentos mais doloridos, o amor está bem junto do olhar perdido de alguém que não saberia te perder e que não saberia dizer isso, simplesmente porque não lhe foi ensinado.
E assim o amor passa por ciclos, embalados pela emoção de uma música favorita tocada no rádio ou com a letra da canção que te mostra que homens podem ser heróis e bandidos. E que mesmo sem saber fazer isso, são muito pais.

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Por amor e pelo amor, que tornam o tempo pó: passado, presente e futuro.
Que fará com que o tempo geres lindos avôs.

9 de agosto de 2009