domingo, 7 de junho de 2009

De pelucia

Eu preciso de você. Dizia assim a letra da música melancólica que tocava. Mas, não. Não mais. Já não era necessário ninguém. Não existiria pessoa alguma no mundo capaz de tirá-la daquele universo entorpecedor na qual havia entrado. E entrado sem querer.

Não era sua culpa, afinal nem ela mesma era capaz de entender aquilo que havia se tornado. Não era seu destino. Ninguém havia planejado. Podia ser o fundo do poço, fim da linha, no way. Nem isso era mais capaz de saber. Até a pouco só era capaz de sentir. Raciocínio nulo. Agora, até os mais simplórios sentimentos a haviam abandonado. Só tinha aquele vazio e aquela vontade cretina de olhar para o teto durante todo o dia.

É, era isso mesmo. Viajar. Pensar no nada. Mergulhar no coisa nenhuma enquanto o teto a perseguia misteriosamente. O teto, o branco sujo do teto do quarto, a luminária antiga com alguns fios soltos. Junto com o teto, a parede que a ele se unia. Pôsteres de bandas que ela nunca mais ouviu, fotos de amigos que ela nem sabia se estavam vivos. Um relógio com desenho de ursinho que não tinha pilhas. Um crucifixo de gesso começando a descascar.

Os pôsteres grandes disfarçavam os descascado da parede que clamava por reforma. O relógio, mesmo empoeirado tinha seu ar de graça. As teias de aranha nos cantos eram com absoluta certeza o único sinal da existência de vida naquele ambiente. Os porta retratos levavam o corpo inerte que se estendia na cama a um mundo onde ela ainda sabia definir o que era: ao menos nada significava alguma coisa.

Coisa alguma seria mudada, nada merecia o gigantesco esforço que representava pensar em o que fazer com eles. Viu o crucifixo novamente.

Foi capaz de pensar em algo.

Não iria por nada sair daquela cama.

Não seria capaz.

Com um tiro certeiro derrubou o crucifixo com um urso de pelúcia cor de rosa. O gesso se partiu em mil pedaços e a mãe que havia se assustado com o barulho ficou atônita ao ver o que a filha havia feito. Com outro urso, dessa vez um amarelo bem grande, impediu que a mãe entrasse. Era aquele o seu espaço. Ela já não pertencia ao mundo lá fora, e nada de lá pertencia a ela. E a mãe ainda berrou injúrias à filha "possuída".

Ora, já não sabia quem era ou o que era, queria e não queria porquês ilógicos, e não, não seria então capaz de acreditar no objeto de gesso ou no que ele se dizia ser. Continuava apaixonada pelo teto, assim como os pedaços de gesso continuavam no chão. Ao fim do terceiro mês fechou os olhos e descansou. Ou descobriu uma maneira de se tornar teto.

E foi.

Duas semanas mais tarde a mãe lembrava da boa filha que teve enquanto recolhia pedaços de gesso e o urso cor de rosa.

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Este é sem dúvidas, de todos os textos que já escrevi, um dos que mais me emocionam.

Talvez porque ele date de muito, muito tempo atrás. 2000 ou 2001.

Uma época, felizmente superada, onde de pelúcia era eu. Onde eu só pertencia ao teto.

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